quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Alternância.

Acordo neste quarto,
De armários de ingratidão,
E já nem num retrato,
Vejo um rascunho intacto,
De um passado que voa em contramão.

Tudo foi vendido a nada,
Ficou pó nas gavetas que somos,
Talvez fosse a vida, errada,
Humildade uma palavra inventada,
A definir o que no fundo já fomos.

Mas liberto deste sonho que morto,
Já não respira pra dar ar a ninguém,
Levo o meu corpo para chegar a um porto,
Por um caminho sem marés e tão torto,
Já sem esperança de ver sol em alguém.

sábado, 18 de agosto de 2012

O anti-ódio.

Hoje mergulhei de novo nos meus pensamentos, já com algumas saudades do uso da escrita para libertar as energias negativas e começo precisamente por estas, as negativas, o meu devaneio de hoje. Segundo li algures, não importando no caso a fonte da citação dada a sua casualidade e pouca ciência, o famoso cantor Prince terá dito que não odeia ninguém, porque no ato de odiar desperdiça grande parte das energias que dispõe para viver, e o dispêndio de energias no ódio, é claro está, um grande e efetivo desperdício. Redundante terá sido isto que terminei mesmo agora de escrever, mas talvez tenha o seu sentido, estou em querer. Se calhar é este o motivo pelo qual o mundo não tem força para mudar radicalmente e evoluir num sentido mais proveitoso. As pessoas desperdiçam demasiado da sua energia com ódios e batalhas morais, tendo sempre uma opinião até para aquilo a que não foram chamadas a opinar, e não me venham dizer que isso é ser socialmente interventivo ou qualquer coisa que o valha porque na minha humilde opinião não passa poluição sonora e monopolizadora. Talvez devêssemos focar-nos mais no nosso umbigo e naquilo que podemos proporcionar de positivo ao mundo, porque ou achamos que isto está mau de mais para existir futuro e nós próprios desistimos de contribuir para ele, ou sabemos perfeitamente que um dia no futuro existirão laços nossos a arcar com as consequências da nossa mediocridade, arrogância e prepotência.

 É certo que há pessoas que nos magoam, que nos ferem, que nos humilham, mas ainda assim, a energia que gastamos a odiá-los pode perfeitamente ser canalizada para qualquer coisa de positiva como o amor, como o conhecimento cultural sem julgamento de princípios, como o empreendedorismo responsável e sustentável. Parecem coisas imiscíveis o ódio ou o amor, com o ser-se empreendedor, mas talvez não seja, se tivermos em conta que os nossos esforços em ambos os campos provêm da mesma energia e da mesma força de vontade, acumulada nas nossas crenças, nos nossos sonhos, nas nossas convicções e nos nossos valores. Ainda assim, não nos podemos esquecer que ao longo dos tempos existem pessoas que insistem em deturpar princípios inalteráveis. Talvez tenham nascido sem umbigo e a inveja subiu-lhes ao cérebro.

Talvez devêssemos aprender mais com os peixes do oceano. Se virmos bem, também se matam e esfolam uns aos outros, como na nossa sociedade tanto acontece, os grandes engolem de uma vez dezenas de pequenos como os grandes empresários e apesar desta realidade atroz semelhante à terra, permitem que o seu ambiente de vivência permaneça um encanto, sem auto estradas, sem corrupção, sem vícios tecnológicos ou de estupefacientes , vivendo cada dia ao sabor da maré, da corrente e do oxigénio que as guelras ainda vão conseguindo aproveitar, sem petróleo.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Às vezes bate fundo.

Invariavelmente continuamos apodrecidos. Nem o pingo de esperança que fui nutrindo nos últimos tempos me permite acreditar que o mundo sofra um revés positivo nas carruagens que ele próprio vai conduzindo rumo ao abismo e por muito que me custe, vou no meio dessas carruagens. Imprimi à minha vida profundas alterações, fazendo jus à célebre expressão “antes de tentares mudar o mundo tenta mudar-te a ti primeiro“. Acreditei que do ponto de vista da dignidade, da moral, dos comportamentos e acima de tudo dos sonhos, começava a ganhar forma o meu percurso de lutador anti futilidades mas agora, algum tempo volvido sei que afinal as aparentes vitórias que tinha conquistado não saíram da inércia e eu não passei de um simples sonhador. As pessoas continuam a magoar-se por coisas absurdas, não sabem viver a vida respirando o oxigénio que têm diante de si sem pensar no dióxido de carbono que terão de expulsar no futuro. O dinheiro controla tudo, controla o humor, controla a discussão e pior que tudo isso controla a destruição, resumindo o homem à sua insignificância, à sua falta de carácter e à sua fraqueza de espírito. Pelo menos alguns homens, não sabem ser homens antes de serem economistas.

Por muito que me esforce para conseguir entender os nervos em que a humanidade se afoga e suicida em cada minuto do mundo sereno que gira despreocupado com o resto do universo, não consigo compreender. E mais, o mundo não nos deu razões para isso. Ele não pede que vivamos com pressa, não pede que corramos, não pede que nos matemos porque ele próprio sabe que um dia voltaremos a ser pó. O mundo não pede brusquidão, ofensas, nervosismo, insultos, quem o pede são os homens e não todos, só aqueles que por não terem coragem nem capacidade de singrar na vida do ponto de vista da humildade e de uma conduta digna, socorrem-se do apelo ao caos, de supostos deuses nunca vistos, de dinheiro que arde como qualquer outro papel, dos frágeis. No fundo, o mundo está assim porque os homens se transformaram em vermes.

Com tudo isto a que o mundo já se vendeu, torna-se praticamente impossível um vulgo ser humano fazer o que quer que seja ou convencer alguém de que ainda é possível ser-se feliz. Felicidade, o que é isso perguntam-se a maioria das pessoas porque no fundo, por muito que digam o contrário, já não acreditam que é possível ser-se feliz. Melhor, hoje em dia, dinheiro é felicidade total.

Se calhar sou pouco homem, precisava de um bocadinho mais de tomates para seguir silencioso no meio da multidão sem me lamentar. Se calhar o meu mal é tentar. Se calhar o meu defeito foi sempre acreditar em valores perdidos. Se calhar, simplesmente não percebo nada de pessoas. No fundo talvez nem perceba nada de mim próprio.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Só por simbolismo.


Recém-chegado a uma simbólica marca e não mais que isso, de duzentos poemas escritos desde o ano dois mil e sete, entre evoluções, retrocessos, entre quedas e o respetivo erguer consequente das mesmas, apraz-me dizer que talvez ainda só tenha escrito uma ínfima parte de tudo aquilo que pretendo deixar em palavras para a posteridade. Talvez o interesse dos outros para com elas seja residual, poderá nem chegar a uma dezena de seguidores da minha poesia, mas ainda assim há algo de motivante que me grita para que nunca deixe de usar as páginas em branco. Talvez não consiga decifrar o porquê do meu interesse pela poesia, mas a sensação que me invade depois de escrever um poema, só por si sem definição, faz sempre valer o tempo dedicado em frente do caderno. Nunca me compararei a ninguém, nem aceito que me comparem com quer que seja, porque as palavras ditas e expressadas por bocas diferentes, por muito que sejam iguais, podem assumir ideias completamente contrárias.



Não posso esquecer que destas duas centenas de folhas já escritas, uma larga percentagem das mesmas foi escrita para ti, que tens sido uma incessante fonte de inspiração e de sonho que no meu caso é condimento essencial ao fluir da minha imaginação. Desde que me fizeste sonhar pela primeira vez, continuamente tens mantido todos os propósitos dos sonhos intactos, fazendo com que eles mantenham o seu sentido próprio, que não se esgota só no ontem ou no hoje. Talvez nem no amanhã se esgote. Continuarei enquanto o corpo me permitir a escrever e a dedicar-te palavras, não necessariamente em rima, porque tu e até mesmo nós, temos feito por merecer que cada página fique registada no nosso álbum de recordações. Escreverei sobre as nossas viagens, escreverei sobre os nossos gestos, sobre a nossa sinceridade e sobre os nossos sonhos.



Sei que posso contar contigo como uma espécie de “ Pilar “ na construção deste pequenino mundo, e desde já agradeço tudo o que tens feito desde que entraste no meu próprio livro de vida. Escreverei como sabes sobre o mundo, sobre o que ele perdeu na dignidade humana, nos valores, na postura e na moral de cada um e estou certo que me compreenderás nesses desabafos, talvez partilhando muitas das opiniões.



Como disse inicialmente este marco é puramente simbólico e não mais do que isso, não é uma meta e muito menos um fim, é apenas uma vírgula entre tudo o que tenho escrito e aquilo que ainda tenho para escrever. Obrigado aos que ainda vão deitando o olho.



Obrigado a ti.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O caminho ainda vive.

Se um dia no passado inconscientemente me fiz à estrada sem saber verdadeiramente o que me movia no fundo, foi através dessa mesma inconsciência que me tornei naquilo que sou hoje e que mantenho a admiração e vício nos Caminhos de Santiago de Compostela. Decidi rebuscar este tema não por nenhum motivo em especial, mas simplesmente porque num dos tantos momentos em que me perco em pensamentos dei por mim de mochila às costas desprendido da crueldade da rotina, a viajar ao mais fundo do mim mesmo, a decifrar as minhas próprias convicções e a preparar-me para correr atrás dos meus próprios sonhos. Cada vez mais acredito, que a experiência do Caminho de Santiago só poderá ser compreendia depois de ser vivida na sua magnitude, na sua unicidade e partilha sincera de vivências. Tive a sorte, como grande parte dos peregrinos terá, de me cruzar desde a primeira vez, com pessoas absolutamente fantásticas, que mesmo estando hoje algures num lugar longínquo da terra, é como se estivessem à distância de um simples flash de memória, um abrir e fechar de olhos.

Apesar de durante as caminhadas por vezes o incómodo físico nos martirizar, é incrível a forma como tudo isso é ultrapassado e esquecido no momento em que se entra nas portas da cidade de Compostela, e mesmo no dia a dia do caminho, o espírito de reabilitação colectiva que reina nos albergues de peregrinos onde nunca falta um gesto, uma palavra ou uma mão que se estende e nos faz superar o desanimo, continuando rumo ao norte no novo amanhecer.

No que me diz respeito haverá pessoas que estarão intimamente ligadas à minha experiência Jacobeia, pelo que aprendi e vivi com elas, e pelo que elas ainda hoje dedicam a esta causa, num espirito de abertura e entrega pouco visto nos dias de hoje. Ainda antes de se dedicarem ao trabalho em prol dos caminhos, partilhei com algumas delas a experiência do ser peregrino, mais que uma vez, pelas terras do Minho e da Galiza. Mais do que uma experiência peregrina afincou-se nos trilhos uma relação de amizade que só algo transcendente poderá compreender e talvez justificar. São amizades que nem os anos, nem a distância conseguirão eliminar e com toda a certeza voltarão a cruzar-se comigo em algum lugar, não necessariamente de mochila às costas, mas com bagagens intermináveis de recordações.

E como não só de passado e caminhadas já efectuadas vive o caminho, e como não só o caminho me trouxe páginas marcantes da minha vida, sonho profundamente voltar e partilhar no terreno com quem me é mais especial, a experiência, a partilha e o espirito albergado naquelas terras. Elsa, é com tanto orgulho que te relato tudo aquilo que já vivi, que simultaneamente adorava que conhecesses algumas das pessoas que me ajudaram no caminho, a hoje em dia ser a pessoa que sou. Tenho a certeza que um dia irás compreender por dentro tudo isto que digo e que tu também recordarás os “ nossos caminhos de Santiago “ como páginas memoráveis da nossa vida e da nossa ligação.

Por fim, quero mais uma vez agradecer, fundamentalmente a todos os que estão ligados ao projecto delicioso que é o Albergue da Recoleta, em Barcelos, no qual se sente com grande simplicidade o espirito voluntário aliado ao espirito peregrino. Tomo a liberdade de referir alguns nomes, na esperança que o sintam como recordação, congratulação e saudade. Filipe, Carlos, Umbelina, muito Obrigado.

Um regresso nas Beiras.

Regresso ao primitivo, regresso a dentro de mim mesmo. Alguns meses após a minha última caminhada por trilhos selvagens, regressei hoje á essência do mundo perdido e esquecido dos mapas e mais uma vez fui completamente surpreendido pela magia agreste e campestre das Beiras. Talvez sejam poucas as pegadas que marcam aquelas terras, talvez menos ainda sejam os interesses em as pisar, o que no fundo até acaba por ser positivo, podendo elas manter-se preservadas dos ainda mais selvagens humanos caminhantes de selvas de betão. É fascinante a imprevisibilidade de cada paisagem, a história cravada em certos recantos como um simples moinho abandonado, que de súbito sob as nossas mãos ganhou novamente vida funcionando na perfeição. Nestas pequenas e rápidas incursões ao verdadeiro mundo natural, alimenta-se exponencialmente o meu sonho de um dia, algures perdido numa vertente montanhesca, surgir o meu lar.

Sensação alucinante é também o facto de nos instantes em que nos deixamos dominar por todo o poder e absorção da natureza parecer que eliminamos da nossa memória a velocidade furiosa e suja citadina, como se todo o mundo cosmopolita não fosse mais que um pesadelo assustador que um lúcifer qualquer nos tem trazido nos sonos. Com isto não quero dizer que as cidades não escondam também recantos mágicos, históricos noutro sentido mais frágil, porque tudo o que o homem semeia, tem também o poder de destruir.

Recentro de novo o meu discurso na surpresa que hoje eu senti ao abrir as portas do carro e me entregar ao desconhecido, ao silêncio, à sensibilidade das árvores escorridas, ao riacho que corre sem tempo nem pressa chegando somente onde tiver de ser. Tudo se transforma harmonicamente e parece um puzzle sem peças em falta, onde todas encaixam em perfeição nos seus respetivos limites. Coincidentemente, estas caminhadas de descoberta têm assumido literalmente esse significado na minha vida e no suporte de muitas das minhas opções de hoje, porque junto de ti, tenho desfrutado e vivido dos sentimentos mais naturais e genuínos que nós enquanto humanos temos capacidade de aproveitar.

Por vezes é difícil conhecermos o mundo sem nos conhecermos a nós mesmos, e será ainda mais difícil acreditarmos em certas coisas se não acreditarmos em nós próprios primeiro. E se hoje venho aqui cantar um simples dia passado na magnificência de uma floresta perdida, é porque tu me tens feito encontrar-me a cada amanhecer e continuar a valorizar as minhas “ antiquadas ambições de felicidade “. Voltámos aos trilhos, voltámos aos origens, e porque o espirito da Linha do Tua se mantém aceso sem que a chama diminua, apetece-me também dizer-te que o meu espirito e a minha confiança nos nossos passos permanece intocável.

Se hoje tudo fez sentido, e o regresso ao mundo me tocou assim, é porque tu também és parte fundamental de tudo isso.

Hoje pela Beira-Alta, amanhã igualmente juntos.

sábado, 14 de abril de 2012

A velha Olaria.

É certo que o mundo é pródigo em condenar ao esquecimento tudo aquilo que nele se torna ultrapassado, tudo o que cai em desuso ou simplesmente deixa de fazer sentido. Talvez pior que isso é sentir que essa mesma condenação advém do facto de essas mesmas coisas já não darem lucro, porque de lucros se constrói o futuro segundo apregoam agora, por muito que esse futuro venha a ser pintado de podridão e falta de moralidade. Tenho acompanhado nos últimos tempos, a história de Cipriano Algor, um Oleiro que vê aos poucos evaporar-se o laboro e o sonho de uma vida, fatalmente condenado face à produção e venda em série das grandes superfícies, que de súbito passam a menosprezar toda a arte, requinte e história que a Olaria traz embutida nos seus rótulos. Este homem que José Saramago nos trouxe, sente-se no fundo como eu próprio me sinto face ao mundo lá fora. Talvez um dia venha a morrer assim mesmo, sem a compreensão de como chegámos a este ponto, em que num segundo deixa de se utilizar o que durante décadas ou séculos fizemos questão de usar apaixonadamente.

Imaginemos nem que só por breves instantes o que sentirá um homem que em toda a sua vida se dedicou a trabalhar o barro nas suas mãos, aperfeiçoando as suas produções com a sensibilidade dos seus próprios dedos, ao ver que sem aviso nem contemplações, o desinteresse comercial atingiu o seu sector, que é como quem diz: isso que tudo fazes já não vale de nada, já não dá lucro, hoje em dia as máquinas trabalham muito mais rápido que tu, não te encomendaremos mais nada. Quer-me parecer que para este homem, o mundo acaba de desabar, porque neste mundo não há espaço para segundas oportunidades nem adaptações às novas realidades. Acabou-se e pronto.

Nesta minha reflexão, peguei no caso do barro, nas mãos de Cipriano Algor, porque acredito que nós mesmos, todos os dias temos o nosso próprio “barro” a trabalhar, mas tal como na história, a generalidade das pessoas escolhe o caminho mais fácil, e como o barro dá trabalho e é preciso minucia, atira-se para trás das costas e escolhem-se os atalhos futuristas. Talvez nunca me venha a vender a certos futurismos, em consciência decidi o que faz sentido na progressão da minha vida, e se progredir me leva ao abismo, então ficarei sentado simplesmente a admirar a paisagem e a alimentar-me de passados que acredito poderem ser ainda muito atuais. Não consigo mais uma vez dissociar-me de um tema que pode perfeitamente ser trazido aqui a terreiro e que talvez venha a ser a grande batalha da minha vida, por muito que vá acumulando derrotas; o amor.

Talvez todos aqueles que ainda acreditem no amor, sejam Oleiros da sua própria felicidade, e necessitem de com muita dedicação e subtileza trabalhar esse Barro não só de vez em quando mas a cada dia, não vá ele resultar numa peça frouxa e frágil, ou queimada de demasiada cozedura. E por muito que as grandes superfícies nos digam que o nosso barro já não dá lucro, haverá sempre algum recanto do mundo, se calhar não tão poucos assim, onde alguém nos quererá preservar e valorizará a nossa essência. O que as novas máquinas produzem, as novas mentalidades, acabarão no lixo, a cada nova primeira fissura.

Eu, todos os dias faço questão de me sentar na minha Olaria, alimentar-me das minhas convicções, trabalhar-te, dar-te novas formas e novas cores, e fazer com que eu seja sempre uma peça importante na tua vida. Com os dedos no barro moldo uma palavra para ti: Amo-te.