Se um dia no passado inconscientemente me fiz à estrada sem saber verdadeiramente o que me movia no fundo, foi através dessa mesma inconsciência que me tornei naquilo que sou hoje e que mantenho a admiração e vício nos Caminhos de Santiago de Compostela. Decidi rebuscar este tema não por nenhum motivo em especial, mas simplesmente porque num dos tantos momentos em que me perco em pensamentos dei por mim de mochila às costas desprendido da crueldade da rotina, a viajar ao mais fundo do mim mesmo, a decifrar as minhas próprias convicções e a preparar-me para correr atrás dos meus próprios sonhos. Cada vez mais acredito, que a experiência do Caminho de Santiago só poderá ser compreendia depois de ser vivida na sua magnitude, na sua unicidade e partilha sincera de vivências. Tive a sorte, como grande parte dos peregrinos terá, de me cruzar desde a primeira vez, com pessoas absolutamente fantásticas, que mesmo estando hoje algures num lugar longínquo da terra, é como se estivessem à distância de um simples flash de memória, um abrir e fechar de olhos.
Apesar de durante as caminhadas por vezes o incómodo físico nos martirizar, é incrível a forma como tudo isso é ultrapassado e esquecido no momento em que se entra nas portas da cidade de Compostela, e mesmo no dia a dia do caminho, o espírito de reabilitação colectiva que reina nos albergues de peregrinos onde nunca falta um gesto, uma palavra ou uma mão que se estende e nos faz superar o desanimo, continuando rumo ao norte no novo amanhecer.
No que me diz respeito haverá pessoas que estarão intimamente ligadas à minha experiência Jacobeia, pelo que aprendi e vivi com elas, e pelo que elas ainda hoje dedicam a esta causa, num espirito de abertura e entrega pouco visto nos dias de hoje. Ainda antes de se dedicarem ao trabalho em prol dos caminhos, partilhei com algumas delas a experiência do ser peregrino, mais que uma vez, pelas terras do Minho e da Galiza. Mais do que uma experiência peregrina afincou-se nos trilhos uma relação de amizade que só algo transcendente poderá compreender e talvez justificar. São amizades que nem os anos, nem a distância conseguirão eliminar e com toda a certeza voltarão a cruzar-se comigo em algum lugar, não necessariamente de mochila às costas, mas com bagagens intermináveis de recordações.
E como não só de passado e caminhadas já efectuadas vive o caminho, e como não só o caminho me trouxe páginas marcantes da minha vida, sonho profundamente voltar e partilhar no terreno com quem me é mais especial, a experiência, a partilha e o espirito albergado naquelas terras. Elsa, é com tanto orgulho que te relato tudo aquilo que já vivi, que simultaneamente adorava que conhecesses algumas das pessoas que me ajudaram no caminho, a hoje em dia ser a pessoa que sou. Tenho a certeza que um dia irás compreender por dentro tudo isto que digo e que tu também recordarás os “ nossos caminhos de Santiago “ como páginas memoráveis da nossa vida e da nossa ligação.
Por fim, quero mais uma vez agradecer, fundamentalmente a todos os que estão ligados ao projecto delicioso que é o Albergue da Recoleta, em Barcelos, no qual se sente com grande simplicidade o espirito voluntário aliado ao espirito peregrino. Tomo a liberdade de referir alguns nomes, na esperança que o sintam como recordação, congratulação e saudade. Filipe, Carlos, Umbelina, muito Obrigado.
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Um regresso nas Beiras.
Regresso ao primitivo, regresso a dentro de mim mesmo. Alguns meses após a minha última caminhada por trilhos selvagens, regressei hoje á essência do mundo perdido e esquecido dos mapas e mais uma vez fui completamente surpreendido pela magia agreste e campestre das Beiras. Talvez sejam poucas as pegadas que marcam aquelas terras, talvez menos ainda sejam os interesses em as pisar, o que no fundo até acaba por ser positivo, podendo elas manter-se preservadas dos ainda mais selvagens humanos caminhantes de selvas de betão. É fascinante a imprevisibilidade de cada paisagem, a história cravada em certos recantos como um simples moinho abandonado, que de súbito sob as nossas mãos ganhou novamente vida funcionando na perfeição. Nestas pequenas e rápidas incursões ao verdadeiro mundo natural, alimenta-se exponencialmente o meu sonho de um dia, algures perdido numa vertente montanhesca, surgir o meu lar.
Sensação alucinante é também o facto de nos instantes em que nos deixamos dominar por todo o poder e absorção da natureza parecer que eliminamos da nossa memória a velocidade furiosa e suja citadina, como se todo o mundo cosmopolita não fosse mais que um pesadelo assustador que um lúcifer qualquer nos tem trazido nos sonos. Com isto não quero dizer que as cidades não escondam também recantos mágicos, históricos noutro sentido mais frágil, porque tudo o que o homem semeia, tem também o poder de destruir.
Recentro de novo o meu discurso na surpresa que hoje eu senti ao abrir as portas do carro e me entregar ao desconhecido, ao silêncio, à sensibilidade das árvores escorridas, ao riacho que corre sem tempo nem pressa chegando somente onde tiver de ser. Tudo se transforma harmonicamente e parece um puzzle sem peças em falta, onde todas encaixam em perfeição nos seus respetivos limites. Coincidentemente, estas caminhadas de descoberta têm assumido literalmente esse significado na minha vida e no suporte de muitas das minhas opções de hoje, porque junto de ti, tenho desfrutado e vivido dos sentimentos mais naturais e genuínos que nós enquanto humanos temos capacidade de aproveitar.
Por vezes é difícil conhecermos o mundo sem nos conhecermos a nós mesmos, e será ainda mais difícil acreditarmos em certas coisas se não acreditarmos em nós próprios primeiro. E se hoje venho aqui cantar um simples dia passado na magnificência de uma floresta perdida, é porque tu me tens feito encontrar-me a cada amanhecer e continuar a valorizar as minhas “ antiquadas ambições de felicidade “. Voltámos aos trilhos, voltámos aos origens, e porque o espirito da Linha do Tua se mantém aceso sem que a chama diminua, apetece-me também dizer-te que o meu espirito e a minha confiança nos nossos passos permanece intocável.
Se hoje tudo fez sentido, e o regresso ao mundo me tocou assim, é porque tu também és parte fundamental de tudo isso.
Hoje pela Beira-Alta, amanhã igualmente juntos.
Sensação alucinante é também o facto de nos instantes em que nos deixamos dominar por todo o poder e absorção da natureza parecer que eliminamos da nossa memória a velocidade furiosa e suja citadina, como se todo o mundo cosmopolita não fosse mais que um pesadelo assustador que um lúcifer qualquer nos tem trazido nos sonos. Com isto não quero dizer que as cidades não escondam também recantos mágicos, históricos noutro sentido mais frágil, porque tudo o que o homem semeia, tem também o poder de destruir.
Recentro de novo o meu discurso na surpresa que hoje eu senti ao abrir as portas do carro e me entregar ao desconhecido, ao silêncio, à sensibilidade das árvores escorridas, ao riacho que corre sem tempo nem pressa chegando somente onde tiver de ser. Tudo se transforma harmonicamente e parece um puzzle sem peças em falta, onde todas encaixam em perfeição nos seus respetivos limites. Coincidentemente, estas caminhadas de descoberta têm assumido literalmente esse significado na minha vida e no suporte de muitas das minhas opções de hoje, porque junto de ti, tenho desfrutado e vivido dos sentimentos mais naturais e genuínos que nós enquanto humanos temos capacidade de aproveitar.
Por vezes é difícil conhecermos o mundo sem nos conhecermos a nós mesmos, e será ainda mais difícil acreditarmos em certas coisas se não acreditarmos em nós próprios primeiro. E se hoje venho aqui cantar um simples dia passado na magnificência de uma floresta perdida, é porque tu me tens feito encontrar-me a cada amanhecer e continuar a valorizar as minhas “ antiquadas ambições de felicidade “. Voltámos aos trilhos, voltámos aos origens, e porque o espirito da Linha do Tua se mantém aceso sem que a chama diminua, apetece-me também dizer-te que o meu espirito e a minha confiança nos nossos passos permanece intocável.
Se hoje tudo fez sentido, e o regresso ao mundo me tocou assim, é porque tu também és parte fundamental de tudo isso.
Hoje pela Beira-Alta, amanhã igualmente juntos.
sábado, 14 de abril de 2012
A velha Olaria.
É certo que o mundo é pródigo em condenar ao esquecimento tudo aquilo que nele se torna ultrapassado, tudo o que cai em desuso ou simplesmente deixa de fazer sentido. Talvez pior que isso é sentir que essa mesma condenação advém do facto de essas mesmas coisas já não darem lucro, porque de lucros se constrói o futuro segundo apregoam agora, por muito que esse futuro venha a ser pintado de podridão e falta de moralidade. Tenho acompanhado nos últimos tempos, a história de Cipriano Algor, um Oleiro que vê aos poucos evaporar-se o laboro e o sonho de uma vida, fatalmente condenado face à produção e venda em série das grandes superfícies, que de súbito passam a menosprezar toda a arte, requinte e história que a Olaria traz embutida nos seus rótulos. Este homem que José Saramago nos trouxe, sente-se no fundo como eu próprio me sinto face ao mundo lá fora. Talvez um dia venha a morrer assim mesmo, sem a compreensão de como chegámos a este ponto, em que num segundo deixa de se utilizar o que durante décadas ou séculos fizemos questão de usar apaixonadamente.
Imaginemos nem que só por breves instantes o que sentirá um homem que em toda a sua vida se dedicou a trabalhar o barro nas suas mãos, aperfeiçoando as suas produções com a sensibilidade dos seus próprios dedos, ao ver que sem aviso nem contemplações, o desinteresse comercial atingiu o seu sector, que é como quem diz: isso que tudo fazes já não vale de nada, já não dá lucro, hoje em dia as máquinas trabalham muito mais rápido que tu, não te encomendaremos mais nada. Quer-me parecer que para este homem, o mundo acaba de desabar, porque neste mundo não há espaço para segundas oportunidades nem adaptações às novas realidades. Acabou-se e pronto.
Nesta minha reflexão, peguei no caso do barro, nas mãos de Cipriano Algor, porque acredito que nós mesmos, todos os dias temos o nosso próprio “barro” a trabalhar, mas tal como na história, a generalidade das pessoas escolhe o caminho mais fácil, e como o barro dá trabalho e é preciso minucia, atira-se para trás das costas e escolhem-se os atalhos futuristas. Talvez nunca me venha a vender a certos futurismos, em consciência decidi o que faz sentido na progressão da minha vida, e se progredir me leva ao abismo, então ficarei sentado simplesmente a admirar a paisagem e a alimentar-me de passados que acredito poderem ser ainda muito atuais. Não consigo mais uma vez dissociar-me de um tema que pode perfeitamente ser trazido aqui a terreiro e que talvez venha a ser a grande batalha da minha vida, por muito que vá acumulando derrotas; o amor.
Talvez todos aqueles que ainda acreditem no amor, sejam Oleiros da sua própria felicidade, e necessitem de com muita dedicação e subtileza trabalhar esse Barro não só de vez em quando mas a cada dia, não vá ele resultar numa peça frouxa e frágil, ou queimada de demasiada cozedura. E por muito que as grandes superfícies nos digam que o nosso barro já não dá lucro, haverá sempre algum recanto do mundo, se calhar não tão poucos assim, onde alguém nos quererá preservar e valorizará a nossa essência. O que as novas máquinas produzem, as novas mentalidades, acabarão no lixo, a cada nova primeira fissura.
Eu, todos os dias faço questão de me sentar na minha Olaria, alimentar-me das minhas convicções, trabalhar-te, dar-te novas formas e novas cores, e fazer com que eu seja sempre uma peça importante na tua vida. Com os dedos no barro moldo uma palavra para ti: Amo-te.
Imaginemos nem que só por breves instantes o que sentirá um homem que em toda a sua vida se dedicou a trabalhar o barro nas suas mãos, aperfeiçoando as suas produções com a sensibilidade dos seus próprios dedos, ao ver que sem aviso nem contemplações, o desinteresse comercial atingiu o seu sector, que é como quem diz: isso que tudo fazes já não vale de nada, já não dá lucro, hoje em dia as máquinas trabalham muito mais rápido que tu, não te encomendaremos mais nada. Quer-me parecer que para este homem, o mundo acaba de desabar, porque neste mundo não há espaço para segundas oportunidades nem adaptações às novas realidades. Acabou-se e pronto.
Nesta minha reflexão, peguei no caso do barro, nas mãos de Cipriano Algor, porque acredito que nós mesmos, todos os dias temos o nosso próprio “barro” a trabalhar, mas tal como na história, a generalidade das pessoas escolhe o caminho mais fácil, e como o barro dá trabalho e é preciso minucia, atira-se para trás das costas e escolhem-se os atalhos futuristas. Talvez nunca me venha a vender a certos futurismos, em consciência decidi o que faz sentido na progressão da minha vida, e se progredir me leva ao abismo, então ficarei sentado simplesmente a admirar a paisagem e a alimentar-me de passados que acredito poderem ser ainda muito atuais. Não consigo mais uma vez dissociar-me de um tema que pode perfeitamente ser trazido aqui a terreiro e que talvez venha a ser a grande batalha da minha vida, por muito que vá acumulando derrotas; o amor.
Talvez todos aqueles que ainda acreditem no amor, sejam Oleiros da sua própria felicidade, e necessitem de com muita dedicação e subtileza trabalhar esse Barro não só de vez em quando mas a cada dia, não vá ele resultar numa peça frouxa e frágil, ou queimada de demasiada cozedura. E por muito que as grandes superfícies nos digam que o nosso barro já não dá lucro, haverá sempre algum recanto do mundo, se calhar não tão poucos assim, onde alguém nos quererá preservar e valorizará a nossa essência. O que as novas máquinas produzem, as novas mentalidades, acabarão no lixo, a cada nova primeira fissura.
Eu, todos os dias faço questão de me sentar na minha Olaria, alimentar-me das minhas convicções, trabalhar-te, dar-te novas formas e novas cores, e fazer com que eu seja sempre uma peça importante na tua vida. Com os dedos no barro moldo uma palavra para ti: Amo-te.
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