Apesar do frio característico destas zonas costeiras, apenas sinto o pouco cabelo que tenho a ser guiado para diferentes pontos cardeais. O meu interior subitamente começou em processo de aconchego. Aqui em cima, os deuses disputam opiniões acerca dos céus e o vento que se faz sentir é consequência disso. Mas lá em baixo, como que a sussurrar-me ao ouvido, uma paz parece chamar por mim. Adoro ver o mundo aqui de cima, mas quero ver a vida mais de perto. Apesar de o mar me atormentar com recordações passadas, decidi enfrentá-lo de novo, olhos nos olhos, areia nos pés, sal na pele e água na boca, tudo isto, porque aquela embarcação misteriosa, a vida, me chama como que dizendo, A vida não acaba aqui.
Ergui-me do fundo dos meus receios e comecei a descer por uma escadaria cravada na pedra, interminável, mas da qual, em qualquer momento conseguia ver o cais. Por mais mágico que possa parecer, à medida que ia descendo cada degrau, é como se estivesse a colocar um parágrafo nos capítulos mal trancados da minha vida, que tinham um ponto final quase invisível. Por magia ainda maior, na vida, iam-se soltando as velas, quase que ao mesmo ritmo que eu trancava capítulos. Na maior vela lia-se: Vida sem amar, é navegar sem mar. Nesse momento senti que as pernas me tremiam e fiquei dominado por umas vertigens repentinas que quase me estagnaram. Mas pela primeira vez em muito tempo, agarrei-me com toda a força ao que de sonho há em mim, e continuei a descer, a virar páginas, até que me sinto perto das primeiras linhas em branco.
Olho em frente, vejo que os degraus estão praticamente no fim e consequentemente percebo que o meu passado está mesmo no passado. Agora, a apenas alguns dedos de vontade, da vida, olho os seus olhos, procuro neles como que uma bola de cristal que me diga se o mar me vai engolir. Ela apenas me olha e eu apenas a sinto. O mar, esse parece recuar como que pedindo paz. O vento, que aqui não se conhece, parece esperar curioso, pelo momento que os meus pés entrem na vida, para com toda a sua força nos lançar ao alto mar e aos altos sonhos.
Agora sim, todos os capítulos têm parágrafos e cheguei à primeira linha em branco. Tudo o que quero escrever é: Quero viajar com a Vida.