sábado, 15 de janeiro de 2011

O pequeno cais mágico.

Sentei-me num pedaço de terra num cabo, o da esperança, não sei se boa se má, mas aqui acredito no dia de amanhã. Aqui não sei o que aconteceu ao meu passado e tão pouco saberei sobre o meu futuro. Apenas me limito a olhar a falésia a norte e a sul, abrupta como a vida , arrepiante como as emoções e fixo-me num pequeno porto, num humilde cais que está bem lá em baixo junto da imensidão do oceano. Sentei-me neste pedaço de nada e de tudo, na esperança de me encontrar vivo e a salvo de naufrágios passados. Nesse pequeno cais apenas habita uma embarcação que está de passagem e se chama vida, nome feminino como na maioria das embarcações.

Apesar do frio característico destas zonas costeiras, apenas sinto o pouco cabelo que tenho a ser guiado para diferentes pontos cardeais. O meu interior subitamente começou em processo de aconchego. Aqui em cima, os deuses disputam opiniões acerca dos céus e o vento que se faz sentir é consequência disso. Mas lá em baixo, como que a sussurrar-me ao ouvido, uma paz parece chamar por mim. Adoro ver o mundo aqui de cima, mas quero ver a vida mais de perto. Apesar de o mar me atormentar com recordações passadas, decidi enfrentá-lo de novo, olhos nos olhos, areia nos pés, sal na pele e água na boca, tudo isto, porque aquela embarcação misteriosa, a vida, me chama como que dizendo, A vida não acaba aqui.

Ergui-me do fundo dos meus receios e comecei a descer por uma escadaria cravada na pedra, interminável, mas da qual, em qualquer momento conseguia ver o cais. Por mais mágico que possa parecer, à medida que ia descendo cada degrau, é como se estivesse a colocar um parágrafo nos capítulos mal trancados da minha vida, que tinham um ponto final quase invisível. Por magia ainda maior, na vida, iam-se soltando as velas, quase que ao mesmo ritmo que eu trancava capítulos. Na maior vela lia-se: Vida sem amar, é navegar sem mar. Nesse momento senti que as pernas me tremiam e fiquei dominado por umas vertigens repentinas que quase me estagnaram. Mas pela primeira vez em muito tempo, agarrei-me com toda a força ao que de sonho há em mim, e continuei a descer, a virar páginas, até que me sinto perto das primeiras linhas em branco.

Olho em frente, vejo que os degraus estão praticamente no fim e consequentemente percebo que o meu passado está mesmo no passado. Agora, a apenas alguns dedos de vontade, da vida, olho os seus olhos, procuro neles como que uma bola de cristal que me diga se o mar me vai engolir. Ela apenas me olha e eu apenas a sinto. O mar, esse parece recuar como que pedindo paz. O vento, que aqui não se conhece, parece esperar curioso, pelo momento que os meus pés entrem na vida, para com toda a sua força nos lançar ao alto mar e aos altos sonhos.

Agora sim, todos os capítulos têm parágrafos e cheguei à primeira linha em branco. Tudo o que quero escrever é: Quero viajar com a Vida.

A lucidez, ou falta dela.

Após mais uma viagem intelectual, com passagem por destinos humanamente urgentes e não raros, mais uma vez me encontro surpreendido pela capacidade que alguns escritores têm, repito, alguns, para dizer o que quase todos nós pensamos, mas não temos capacidade nem coragem de o fazer. O "ensaio sobre a lucidez" remeteu-me para pensamentos que de tão frequentes e tão actuais, quase passam pela calada. Abordando em quase toda a acção o carácter humano, facilmente reparamos que a nossa conduta consegue descer aos poços profundos do vermelho do inferno quando em situação de contrariedade vemos que vamos sair derrotados. Mais inexplicável é o facto de que as pessoas capazes das atrocidades universais , nacionais, locais ou pontuais são na maioria das vezes pessoas das mais intelectuais. Engraçado, até rima, como um poema perfeito.

Estamos no tempo em que os fins não precisam de meios e em que a raça humana regressa aos combates selvagens de outrora. Com uma pequena diferença; hoje em dia, com algum conhecimento de linguística, uma palavra bem empregue aqui, uma citação de um Nobel além, interpretações diferentes de dois mais dois serem quatro, e sorrisos politicamente poderosos, conseguimos cortar a base da dignidade humana num abrir e fechar de olhos.

Tenho pena, cada vez mais, que à boa moda de umas décadas já passadas, as pessoas não vislumbrem que há quem as queira manter caladas, ignorantes e traduzindo para Português, do antigo acordo ortográfico, Burras. Socialmente o zé povinho insiste somente nas conversas de coreto de aldeia e não acredita que os tubarões facilmente se caçam com arpões. Engraçado, rimou de novo, como um poema perfeito.

A falta de lucidez que tanto nos caracteriza e nos faz cometer coisas obsoletas deveria ter os dias contados. E como diz o Livro das Evidências ; Saberemos cada vez menos o que é ser humano. Lamento.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O meu Caminho no Xacobeo 2010.

Após alguns dias de descanso, consciencialização e reflexão acerca da minha última semana do ano de dois mil e dez, parece-me ser a hora de libertar as minhas impressões sobre o sucedido nesses dias. Não sendo a primeira vez que me propunha a realizar o Caminho de Santiago, esta caminhada efectuada de vinte e seis a trinta de Dezembro adquiriu um papel que toca nos limites das minhas eternas recordações. Não só por ser o Caminho de Santiago. Não só pelo sofrimento. Não só por ser o final do Ano Xacobeo dois mil e dez. Não só pela passagem da Porta Santa. Adquiriu este papel, pelas pessoas, pelos momentos, pelos fracassos momentâneos e pelas glórias finais.

Tinha prometido a mim mesmo, que de uma maneira ou de outra, iria a pé a Santiago Compostela no Ano Santo 2010 e com todas as contrariedades típicas da vida humana isso só me foi possível de tentar, na última semana do ano. Ou era, ou era.

Meti na cabeça que seria mesmo, apesar do Inverno, apesar do frio e da chuva, apesar do limite de tempo que me estava imposto. Não contava que, ao contrário das outras vezes, o meu corpo reagisse da forma que reagiu. Quando digo corpo, refiro-me concretamente aos meus joelhos e ao dedo mindinho do pé esquerdo que possuí-a uma bolha num estado deplorável. Os meus últimos 4 dias de caminhada foram agonizantes. E para conseguirem entender esta agonia têm de viajar até ao sentido mais frio e mais cru que esta palavra possa assumir. Caminhei torto, caminhei de costas, caminhei de lado, caminhei sustentando todo o meu corpo na vara que me ajudava na marcha. Foram de facto momentos que jamais apagarei da minha memória e que tornam de facto reais certas frases que ecoam em Santiago, como por exemplo, " No pain, no Glory ". A maioria das minhas noites foram em claro, porque as dores não me permitiam repousar na terra dos sonhos e desta forma conseguirão ter uma noção de como se comportava o corpo no dia seguinte.

O certo, e mais certo que isso não há, é que cheguei a Santiago na data prevista, num estado não previsto, e pude agradecer ao Pedro e ao Tiago mas essencialmente a mim mesmo, por ter tido força psicológica para enfrentar mais e mais um dia. Concretizei o meu objectivo de passar na Porta Santa que se fecharia por 11 anos poucas horas depois e abracei Santiago com o pensamento: " Eu disse-te que te vinha cumprimentar ".

Não poderei esquecer as pessoas que se cruzaram comigo no Caminho, entre as quais a Joana de Lisboa, o Senhor Sousa de Ronfe, um austríaco para o qual todos os dias do ano são natal e por isso passar o natal no caminho era normalíssimo, e o famoso saltador espanhol Jimmy Jump, conhecido por saltar para dentro de relvados de futebol, com quem falei sobre as suas loucuras algum tempo ( ele vai por um gorro na cabeça do Mourinho ).

Desta feita, acabei o ano no topo das minhas emoções, com recordações para a minha vida inteira e espero que sem problemas crónicos nos joelhos. A vontade de regressar já ao caminho é imensa; Santiago é de facto, vivência, superação, auto-conhecimento e partilha.

Até já , Santi.